07 fevereiro, 2015

NO RENDILHADO DA ESPUMA - Cantares Mouriscos // Gazais a Lagos, a Silves, ao Mar, a Fátima e à Moura




2

GAZAL A LAGOS

Lagos, cidade algarvia,
Exaltada por Sophia!

Na praia da Dona Ana,
Viu como cada coisa se chama;
Na baía, meia praia,
Disse a espuma que se espraia.

Na praia do Porto Mós,
A Poesia tem voz:
Perto dela Sophia escreve
As grutas, de forma breve.

Lagos, cidade algarvia,
Exaltada por Sophia!

Na Ponta da Piedade,
A cada rocha sua idade
E entre a luz esmeralda,
Há reflexos de malva.

Barcos foram, barcos vão,
Navegações tão diferentes:
Houve medos e gigantes,
Mas Sophia tem forte coração.

Lagos, cidade algarvia,
Exaltada por Sophia!

Loja de ânforas antigas,
Já não existe mais…
Nela porém viu espigas
De Poesia e de trigais.

Na muralha da cidade
Via o tempo, a história, a lenda;
Na luz, junto do mar, a verdade
Sua poesia desvenda!

Lagos, cidade algarvia,
Exaltada por Sophia!



GAZAL A SILVES

Silhueta avermelhada,
Vemos Silves, já da estrada.

É cidade amena e bela
E brilha como uma estrela;
Ressoam alaúdes dedilhados
E sons de flauta entoados.

Foi capital de um reino,
Ao nosso país alheio,
De cultura islamita,
Que ainda em Silves habita.

Silhueta avermelhada,
Vemos Silves, já da estrada.

No jardim evanescente,
Onde Al-Mu’ Tamid passava,
A Poesia era dolente
E na sua voz cantava.

Haja paz no Palácio das Varandas,
Morram suspiros, nasça a alegria!
Que saudades tenho dessas bandas,
Em que a luz era oiro cada dia!

Silhueta avermelhada,
Vemos Silves, já da estrada!

 No remanso do rio, nos laranjais em flor,
Tudo exala perfume, tudo fala de amor…
Rio Arade, pela tarde, trazia embarcações
E muitos jovens corações!

Taças se erguiam à beleza,
Com galanteio e fineza!
Havia coros e danças,
Onde entravam as crianças!...

Silhueta avermelhada,
Vemos Silves, já da estrada.



 4
GAZAL AO MAR

Mar da distância
E da azul ânsia!

Há seculos já que partimos,
Ao desconhecido nos dirigimos;
Fustigados com sol e com sal,
Passando tormentas, vencendo o mal.

Heróis com nome ou sem ele,
Heroísmo este e aquele,
Bartolomeu, Diogo, o Gama
Ao oriente levaram fé e fama.

Mar da distância
E da azul ânsia!

Mas chegámos e vimos e vivemos
Com espanto, trabalho e paixão,
Mundos novos e férteis conhecemos
A eles abrimos o coração.

Ilhas, enseadas, palmeirais,
Nada repetido, coisas bem reais;
E os nativos expectantes, hospitaleiros,
Nem sempre livres, nem sempre prisioneiros.

Mar da distância
E da azul ânsia!

Às partes do mundo aportámos,
Com denodo singrámos
E guardámos as imagens originais,
Que não veríamos, depois, nunca mais!

A língua ali deixámos,
A arquitectura,
E falaram a língua que falámos
E aderiram à crença mais pura.

Mar da distância
E da azul ânsia!



 5
GAZAL A FÁTIMA


Não se trata da filha do Profeta,
Mas de mensagem maternal completa.

Primeiro um Anjo resplandecente,
Jovem como os jovens pastorinhos,
Surgiu um dia, de repente,
Pediu-lhes orações, fervores divinos.

Pastoreavam e brincavam os pequenos,
Que o convívio com o Céu tornou plenos,
E no poço também o Anjo falava
E à oração de novo os convidava.

Não se trata da filha do Profeta,
Mas da mensagem maternal completa.

E um dia a Senhora apareceu,
Radiosa e bela os acolheu,
E pediu a sua oração preferida,
Para que a todos fosse dada a Vida.

Dia treze era o dia certo,
Vinha pontual, estava perto,
Abrandava rigores e privações,
Ouvia suas humildes petições.

Não se trata da filhado Profeta,
Mas da mensagem maternal completa.

Seis meses se passaram e duraram
E o amor e o fervor alastraram;
Souberam coisas que mais ninguém soube,
Mas no fim sinal para todos houve.

Encharcados peregrinos se juntaram
E pela Senhora algum tempo esperaram;
Grande foi o horror, o imenso espanto,
Por o sol girar e se aproximar tanto.

Era então verdade, força, salvação,
Seguir a mensagem de terço na mão,
Mudar alma e vida para o bem
E dá-lo todo a quem o não tem.

Não se trata da filha do Profeta,
Mas da mensagem maternal completa.



GAZAL A MOURA

Noiva era, apaixonada,
Ao noivo mataram à espada.

Salúquia, filha do rei,
Al-Manijah governava,
Na torre seu noivo aguardava,
Bráfama chamado, de islâmica lei.

Esse alcaide mouro, de Aroche vindo,
Com sua comitiva confiante ia;
Mas o perigo veio e foi abrindo
Sangue e morte e suas roupas vestia.

Noiva era, apaixonada,
Ao noivo mataram à espada.

Na torre do castelo, vigilante,
Ela pensou ver gente amiga nesse instante:
Franquear portões ordenou
E quando o logro viu da torre se atirou.

Vira já que Bráfama morrera
E o sonho de ambos se perdera…
Morreu com as chaves na mão,
Destroçado e morto seu coração.

Noiva era, apaixonada,
Ao noivo mataram à espada.


Ficou a Torre, Salúquia denominada,
Junto da muralha, perdida e achada;
O rio Brenhas com ela chorava,
Sob a ponte corria com água lavada.

Salúquia ficou, nessa Torre ainda erguida,
Por amor morreu, enorme foi a ferida.
Junto ao castelo podemos encontrar
A Torre que a viu subir e saltar.

Noiva era, apaixonada,
Ao noivo mataram à espada.