23 fevereiro, 2015

Texto Poético de Fernando Esteves Pinto .Identidade e Conflito




É preciso compreender que a escrita é uma forma de nos defendermos. No meu caso, o que me levou à escrita foi o facto de eu observar nos outros a dificuldade que sentiam em viver de acordo com a normalidade. Quando tudo está bem, nada nos desperta para a criação. Sempre tive uma particular atenção pelo pior que a vida nos pode dar. Comecei a escrever ainda criança, e o que eu observava de negativo nas pessoas à minha volta era matéria mais que suficiente para a transformar em escrita e a partir desse processo tentar perceber o ser humano. Esta era a minha forma de me defender da solidão e do sofrimento dos outros.

Posso dizer que antes de ler livros, lia pessoas. Lembro-me que os primeiros livros que li me incitaram a entrar no mundo da escrita. Estava assim criado o meu interesse pela literatura. Descobri que os livros eram lugares privilegiados onde eu podia arrumar pessoas e tudo o que as atormentava. Hoje sinto que pouca coisa mudou em relação a esta ideia. Continuo a escrever numa perspectiva da negação, isto é: o que me interessa no acto de escrever é descer fundo na vida dos outros e dar-lhes a ler o negativo das suas personalidades e comportamentos em relação ao mundo.

Tenho um lema: quando não compreendes muito bem uma coisa, tenta escrever sobre ela. Faço isso muitas vezes. Mesmo aquilo que me incomoda emocionalmente é resolvido através do acto de escrever. A escrita arruma a vida e salva-a das inquietações a que está sujeita. Escrever cria espaços vazios na tua consciência e isso pode ser confortável, uma vez que o que fica escrito deixou de ocupar o teu pensamento e passou a pertencer a outro plano da tua consciência. É terrível a escrita colidir com a impossibilidade de escrever, isto é: seres incapaz de dar resposta àquilo que pede para ser escrito. Escrever é também uma forma de expulsão; dar lugar a outros pensamentos. Evitar o caos emocional, afectivo. Imagina teres alguém dentro de ti a respirar para sempre a tua própria respiração.