NO
RENDILHADO DA ESPUMA
Cantares
Mouriscos
Maria
Teresa Dias Furtado
2014
INTRODUÇÃO
O fascínio pelas
formas exóticas sempre foi um atractivo para quem escreve Poesia, desde os mais
célebres Poetas, como Goethe, até aos nossos contemporâneos. No tempo de
Goethe, aliás, os Irmãos Grimm fizeram uma recolha de narrativas populares
(agora traduzidas na íntegra para Português e publicadas em Outubro de 2013
pela Temas e Debates e pelo Círculo de Leitores), onde igualmente se incluem
encantamentos e desencantamentos, histórias fantásticas de inspiração cristã,
histórias de terror, etc. Entendia-se a Poesia como tendo origem no povo.
Novalis, um dos nomes mais importantes do Romantismo Alemão, escreveu um poema
que inclui os seguintes versos:
E usando contos
populares e poemas
Contemos as veras
histórias do mundo e seus temas.
(Tradução da própria
Autora)
No meu trabalho
de investigação e leccionação na Faculdade de Letras de Lisboa, tive
oportunidade de fazer um estudo aprofundado sobre os Märchen (contos populares alemães) e a sua relação com a Poesia
Alemã Contemporânea (por exemplo em Sarah Kirsch). Na utilização de formas ou
conteúdos exóticos, tanto se pode versar temas presos a essas formas, como
temas delas independentes. Mantém-se apenas o encadeamento, a estrutura
estrófica, a musicalidade. O Gazal, no entanto, tem um encanto suplementar: de
proveniência arábico-andaluza, é fortemente musical, como está patente no uso
de rimas, de refrão, no acompanhamento do canto ao alaúde e à flauta. Deixa em
nós um sabor orientalizante, muito caro à nossa cultura, tão impregnada de
outras culturas, nas quais também se inscrevem as lendas e as histórias,
mouriscas ou não. Acresce ainda a dança que esta musicalidade suscita, num
estilo que pode ter várias modalidades.
O contacto com a
forma usada no presente livro foi-me proporcionado pela Poeta amiga Maria do
Sameiro Barroso e pela audição de música árabe cantada em português ao
regressar de duas leituras (de boa memória), que ambas fizemos, no Auditório da
Escola Secundária de Silves no dia do Livro, 23de Abril de 2014. À cidade de
Silves, pois, dedico este trabalho poético, que também a ela se refere.
1
GAZAL
A LISBOA
Moura encantada,
moura de encantar,
Como é bom estar
contigo à beira-mar!
Ulisses te
fundou e te abandonou,
Devido à
feiticeira que o enfeitiçou;
São belas no ar
as sete colinas
São braços e
mãos muito femininas!
Por vielas
perdida e encontrada,
Moura-Lisboa, ó
cidade amada!
As casas da
Mouraria têm histórias,
Evocam momentos
e memórias…
Moura encantada,
moura de encantar,
Como é bom estar
contigo à beira-mar!
Nas janelas há
rostos de mulher,
Capazes de tecer
e destecer;
Alguém canta à
noite um fado sentido,
A Saudade é um
pranto esquecido…
Melodia moura,
cordas e voz grave,
A canção de
amor, canção de verdade;
Amor nem sempre
correspondido
Rasga a ferida,
coração doído…
Moura encantada,
moura de encantar,
Como é bom estar
contigo à beira-mar!
Em Alfama paira
teu ar mourisco,
Casas e
quintais, a flor, o petisco;
As palmeiras
altas, fonte de frescura,
Roupa nas vielas
estendida, pura.
A água abunda no
bairro castiço,
Brancas casas
iluminam o seu viço;
E as escadinhas
a ondear luz
São um corredor
que ao rio conduz!
Moura encantada,
moura de encantar,
Como é bom estar
contigo à beira-mar!