07 fevereiro, 2015

NO RENDILHADO DA ESPUMA - Cantares Mouriscos // Gazal a Lisboa




NO RENDILHADO DA ESPUMA

Cantares Mouriscos


Maria Teresa Dias Furtado

2014


INTRODUÇÃO

O fascínio pelas formas exóticas sempre foi um atractivo para quem escreve Poesia, desde os mais célebres Poetas, como Goethe, até aos nossos contemporâneos. No tempo de Goethe, aliás, os Irmãos Grimm fizeram uma recolha de narrativas populares (agora traduzidas na íntegra para Português e publicadas em Outubro de 2013 pela Temas e Debates e pelo Círculo de Leitores), onde igualmente se incluem encantamentos e desencantamentos, histórias fantásticas de inspiração cristã, histórias de terror, etc. Entendia-se a Poesia como tendo origem no povo. Novalis, um dos nomes mais importantes do Romantismo Alemão, escreveu um poema que inclui os seguintes versos:
                        E usando contos populares e poemas
                        Contemos as veras histórias do mundo e seus temas.
                        (Tradução da própria Autora)

No meu trabalho de investigação e leccionação na Faculdade de Letras de Lisboa, tive oportunidade de fazer um estudo aprofundado sobre os Märchen (contos populares alemães) e a sua relação com a Poesia Alemã Contemporânea (por exemplo em Sarah Kirsch). Na utilização de formas ou conteúdos exóticos, tanto se pode versar temas presos a essas formas, como temas delas independentes. Mantém-se apenas o encadeamento, a estrutura estrófica, a musicalidade. O Gazal, no entanto, tem um encanto suplementar: de proveniência arábico-andaluza, é fortemente musical, como está patente no uso de rimas, de refrão, no acompanhamento do canto ao alaúde e à flauta. Deixa em nós um sabor orientalizante, muito caro à nossa cultura, tão impregnada de outras culturas, nas quais também se inscrevem as lendas e as histórias, mouriscas ou não. Acresce ainda a dança que esta musicalidade suscita, num estilo que pode ter várias modalidades.
O contacto com a forma usada no presente livro foi-me proporcionado pela Poeta amiga Maria do Sameiro Barroso e pela audição de música árabe cantada em português ao regressar de duas leituras (de boa memória), que ambas fizemos, no Auditório da Escola Secundária de Silves no dia do Livro, 23de Abril de 2014. À cidade de Silves, pois, dedico este trabalho poético, que também a ela se refere.


1

GAZAL A LISBOA


Moura encantada, moura de encantar,
Como é bom estar contigo à beira-mar!

Ulisses te fundou e te abandonou,
Devido à feiticeira que o enfeitiçou;
São belas no ar as sete colinas
São braços e mãos muito femininas!

Por vielas perdida e encontrada,
Moura-Lisboa, ó cidade amada!
As casas da Mouraria têm histórias,
Evocam momentos e memórias…

Moura encantada, moura de encantar,
Como é bom estar contigo à beira-mar!

Nas janelas há rostos de mulher,
Capazes de tecer e destecer;
Alguém canta à noite um fado sentido,
A Saudade é um pranto esquecido…

Melodia moura, cordas e voz grave,
A canção de amor, canção de verdade;
Amor nem sempre correspondido
Rasga a ferida, coração doído…

Moura encantada, moura de encantar,
Como é bom estar contigo à beira-mar!

Em Alfama paira teu ar mourisco,
Casas e quintais, a flor, o petisco;
As palmeiras altas, fonte de frescura,
Roupa nas vielas estendida, pura.

A água abunda no bairro castiço,
Brancas casas iluminam o seu viço;
E as escadinhas a ondear luz
São um corredor que ao rio conduz!

Moura encantada, moura de encantar,
Como é bom estar contigo à beira-mar!